O quê?
A Marcinha escreveu sobre sua deficiência auditiva em seu blog. A gente, que tem todos os sentidos funcionando a contento, não imagina todas as nuances da perda de um deles e o quanto isso pode afetar a nossa vida, e o quanto não sabemos lidar com as deficiências alheias.
O post dela acabou me inspirando a escrever sobre o meu problema auditivo. Ele nem de longe se compara ao dela, e muito menos a minha capacidade de escrever sobre o que quer que seja se compara com a dela também, mas é mais ou menos isso que vai aí embaixo:
Eu tenho discriminação baixa, ou seja, escuto o que me dizem mas levo um átimo a mais para compreender o que foi dito. Quando era adolescente, meus pais achavam que eu não ouvia direito, me levavam para fazer testes e a audição sempre perfeita. Claro, eu escutava um piiiii na audiometria, levantava a mão e tudo bem, ouvir eu ouvia. Os otorrinos então achavam que eu era somente desligada e avoada, até que uma delas percebeu que eu escutava, perguntava "o quê?" e em seguida respondia, e que meu canal auditivo era mais estreito que o normal. E diagnosticou a discriminação baixa, grosso modo uma lentidão no processamento do que é dito, parte por conta do canal auditivo estreito, parte sabe-se lá o motivo,nem lembro, mas é hereditário, meu avô paterno também tem.
Aprendi então a segurar o meu "o quê?" por um segundo, tempo suficiente para eu entender o que foi dito, mas até hoje quem não me conhece direito deve achar que sou lerda de raciocínio, pela demora em responder às vezes. Ao telefone, se eu tiver alguma outra distração, os sons embolam, e nessa tentativa de entender um tempinho depois, a pessoa acaba falando um monte de tempo e eu tenho de pedir para ela repetir tudo depois, pq uma coisa foi encavalando na outra. Se estou muito, muito cansada, aí mesmo que piora. Então, muita gente acha que eu sou a pessoa mais cool do mundo. Eu sou mesmo uma pessoa calma e tranquila na maior parte do tempo mas muitas vezes o que parece um jeito tranquilo é só o meu tempo atrasado para responder.
Não chega a ser uma deficiência, a maior parte das pessoas nem nota, até porque eu me treinei desde que soube disso, porque era mesmo uma chatice a pessoa ter de repetir sempre o que havia dito e muitas vezes eu respondia enquanto ela estava repetindo. Talvez eu vire uma velhinha surda, mas não é questão fechada. A vantagem é que minha capacidade de abstração e concentração se potencializa, porque se eu paro de fazer isso e foco no que estou fazendo naquele momento, os sons ambientes não me distraem - nem sempre é uma vantagem, porque se eu estiver em uma reunião e não prestar atenção, me distrair um pouco, perco totalmente o que foi dito. Em compensação, se tem alguém falando ao telefone do meu lado e eu prestar a minima atenção à conversa, mesmo involuntariamente, ou a pessoa falar alto demais, não consigo fazer mais nada, perco a concentração, o foco, fico até irritada. Isso faz com que eu fale também muito baixo, pra dentro, porque se o som alto me incomoda, eu acho que incomoda aos outros também e praticamente murmuro em algumas ocasiões. Por esse motivo, sou melhor esrevendo e lendo do que falando e ouvindo, inclusive para línguas estrangeiras.
Quase não falo disso, na maior parte do tempo eu me esqueço mesmo, de tão acostumada, ja falei para algumas pessoas e elas não entenderam, algumas acharam que eu era meio surda e ficaram falando b-e-m p-r-o-n-u-n-c-i-a-d-i-n-h-o. Eu escuto, por exemplo, a assistente que fica na sala ao lado, às vezes ela está falando ao telefone com alguém, eu escuto ela dando uma informação que não é exatamente aquela e a corrijo, mas quando quero falar diretamente com ela, pego o ramal e falo via ramal, porque se não for assim, quando ela responde de lá o som vem misturado com o da rua que vem da minha janela e eu tenho mais trabalho ainda para entender o que ela me diz. Fones de ouvido em geral me incomodam porque o canal é estreito então eles me incomodam não somente porque o som fica muito ali, focado, como me incomodam fisicamente falando - ver filme em avião não é exatamente relaxante para mim e para minimizar isso eu acabo colocando o fone num ouvido só. Barulho normalmente me incomoda, quanto mais focado pior - uma furadeira, um liquidificador, uma batedeira me incomodam muito mais que o show de uma banda.
Enfim, se algum dia você falar comigo e eu não responder de imediato, não fique bravo, não é displicência, significa que eu estava dispersa o suficiente para não ter entendido que o assunto era comigo, e que portanto eu deveria ter escutado para te responder.
a foto que ilustra este post é do comediante Rony Rios, falecido em 2001, que interpretou uma das personagens mais longevas e engraçadas do humor brasileiro, a Velha Surda, que entendia errado tudo o que lhe diziam. Praticamente eu...
11 Comentários:
hahahaha amei a foto!
Nunca percebi isso em vc... mas quer saber? Nem é defeito isso, é qualidade, pois nem tudo que a gente ouve vale a pena ser codificado...
beijos Re
Re, é sutil mesmo, mal dá pra perceber e já me rendeu vantagens inclusive - um cara num bar disse que ficou encantado comigo porque minha amiga falava e eu dava a ela total atenção e que isso era muito raro hoje em dia. Claro né? senão nao ia entender o que ela dizia!
beijo, vem logo pra cá!
Menina, tô pretérita!
Será que é por isso que você fala baixinho, quase cochichando?
(ou nào, e eu que tenho perda auditiva e não sabia?).
Beijos amiga! BEM ESTALADOS!
Lala, provavelmente sim, como timbres de voz muito altos ou gente falando muito alto me incomoda, acho que acabo falando baixo demais para não incomodar os outros.
Quando percebo, to murmurando...
beijo
Dudu é assiiiimmm!!! Ela fala "quê?" antes de a gente acabar de falar, aí eu repito, aí o Djalma entra no ar e tenho que repetir pela terceira vez... é tão cansativo...
Bj
falei que era hereditário...
se tu nao tem é porque foi adotada!
beijo
Se um dia a gente se encontrar ao vivo e a cores, vc pode falar um pouquinho mais alto comigo? Pq sou meio surda mesmo. rsrs
Mas que bom que foi logo diagnosticado, né? Ainda bem que alguns médicos não param no primeiro exame.
Bjos!
CLáu,
É bom pq vc filtra o que quer ouvir, não é!?
E não age na emoção quando houve uma barbaridade perto de vc. Dá tempo de filtrar, analisar e responder!!
ÓTIMO, não!?!?
Ah, eu tb sou meio surda. nao sei o quanto. tomei penicilina, sou alérgica e fiquei meio surdinha. Qdo ouço algo que não entendo, vou por dedução dos fonemas, contexto, penso e respondo. E, depois deste trabalho todo de juntar o tico e o teco, ainda tenho que ouvir o seguinte: puxa, vc finge que não ouve!
Hehehe.
Beijos!
Clau, realmente há inúmeras nuances na forma que cada um de nós usamos nossos sentidos. E nem sempre o problema está na fonte física (olhos, ouvidos, etc) , mas em algum lugar no processamento do cérebro, difícil de alterar. O mais importante, eu acho, é identificar. Conhecer seus limites, prestar atenção no impacto emocional, procurar ajuda se for preciso e possível. E também ter em mente que não é porque outras pessoas têm deficiências mais evidentes que a sua é insignificante comparada. Qualquer dificuldade, de qualquer grau ou tamanho, é uma dificuldade relevante, pra quem quer que seja. :)
Lembro do Rony Rios na Praça é Nossa. Sinceramente nunca me senti muito confortável com piadinhas sobre deficientes (surdos, gagos, anões, etc). Não pra posar de "politicamente correta", mas pelo estigma que causa e pelo impacto na auto-estima de quem tem a mesma deficiência. Mas a Velha Surda ia além da deficiência, o quadro era engraçado porque ela entendia tudo de acordo com a mente devassa dela. E dava uns cascudos de verdade no Carlos da Nóbrega. Aí sim era hilário! :D
Oh, nem sabia, hein!
Mas tbm, qdo vc vem aquui nem dar pra saber mesmo nao...o povo aqui nÕ FALA, GRITA! Ai, nem tem o pq de vc ficar perguntando de novo, né? rs
bjusss
Nana
aH!!!
Comentando o comentario da ROSANA...
o "quê"? antes de terminar a fala é MAL DE FAMILIA!!!
Madá tbm é assim...só que nao repito nao...Falo pra mamae fazer o exercicio do entendimento...aí com a curiosidade em saber rapidinho ela descobre o q eu falei...é mania, sabia?rs
bjus
Nana
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