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domingo, fevereiro 08, 2009

O pai das meninas

Meu pai tem 78 anos e é muito saudável. De vez em quando tem um probleminha aqui outro ali, dá um susto na gente, descabela minha mãe quase o tempo todo, mas é do tipo que passa quatro dias internado num hospital e sai de lá dizendo que tem que passar no supermercado - e efetivamente passa - pra fazer umas comprinhas. Doente, para ele, é quem está em cima de uma cama, ruim demais pra se levantar.

Porém, mesmo ele já está sentindo o peso da idade e se cansa com mais facilidade. Entenda-se por se cansa que ele caminha todos os dias por pelo menos uma hora, vai ao supermercado todo dia porque é viciado nisso (Oi, meu nome é Djalma e eu sou viciado em supermercado, não posso ver uma gôndola que sou acometido de suores e tremores. clap clap clap. Oi, Djalma), leva e busca meu sobrinho menor no colégio, e o maior onde quer que ele invente ir, a qualquer momento do dia ou da noite (agora ele tirou carteira e ganhou um carro, então este item foi eliminado da lista, mas logo será substituído por outro) e manda emails pra Deus e o mundo - incluindo aqueles que dizem que tem vermes mortais no sushi e que a AOL vai pagar R$ 0,05 por email repassado pra salvar o menino que tá com câncer no cérebro, e de criança que sumiu não sei onde, se duvidar, até a própria criança recebe o email dela mesma, com foto de 5 anos atrás - bate papo no messenger, leva minha mãe e busca onde quer que ela queira ir, vai ao clube no fim de semana, vara a noite jogando buraco com minha mãe e amigos.

Até eu fiquei cansada, só de escrever.

Acontece que ele é pai de duas meninas, e um pai e marido superprotetor, como aliás, é a maior parte dos pais de meninas - junto com uma menina, nasceu um pai que resolve fazer tudo por ela todo o tempo. Do tipo que sempre fez tudo para nós e continua fazendo. Que me liga todos os dias de Brasília, além de falar comigo no messenger, e que não dorme se me ligar à noite e souber que estou na rua e ele não conseguir falar comigo no celular. Que perturba os pedreiros cada vez que minha irmã faz uma obra em casa para que tudo saia perfeito. Que se eu disser que não vou comprar alguma coisa que gostei porque tô se dinheiro ele fica querendo comprar pra me dar achando que tô em intenso sofrimento e que tadinha da Cláudia que vai ficar sem (mais uma) sandália vermelha.

Houve um tempo em que eu até me sentia sufocada com tanto zelo, que já sou adulta, mãe, mas depois eu entendi que isso faz parte da personalidade dele, que ele não saberia ser de outra forma, e que pra ele eu terei sempre 5 anos de idade, como minha filha de 18 tem para mim, e passei a tomar atitudes diferentes. Se vou a algum lugar onde meu celular não pega, ou que eu provavelmente nao escutarei se tocar, ou até mesmo porque não quero deixá-lo ligado, ligo antes para ele e aviso que se isso acontecer, que ele não se preocupe que está tudo bem comigo. É suficiente, simples e funciona para nós dois: eu não tenho de ficar preocupada em ouvir o celular caso ele ligue, ele não perde a noite imaginando o que pode ter acontecido comigo numa cidade tão perigosa como esta, tão longe dos olhos dele.

Ele é militar, já aposentado. Desde que eu e minha irmã nascemos, já se vão 40 anos, ele paga um fundo adicional, para que, quando ele e minha mãe morrerem, eu e minha irmã continuemos a receber sua pensão independente do nosso estado civil, porque filhas de militares têm direito a pensão do pai enquanto são solteiras, ou ao menos tinham nessa época. É uma regra baseada numa cultura machista sim, protecionista sim, vinda de um conceito no qual a mulher ou está sob a guarda do pai ou está sob a guarda do marido, mas ela existia na ocasião, e como eu disse no começo da história, meu pai tem 78 anos. Às vezes eu penso que se ele tivesse investido esse dinheiro num fundo privado, estaria com uma bela grana em mãos, mas o intuito nunca foi esse, ganhar dinheiro, e sim garantir que ficássemos amparadas financeiramente quando ele e minha mãe se forem. Essas coisas que só os pais pensam.

Fez seguro de vida em nome de nós 3 há nem sei quantos anos, acho que desde que inventaram a modalidade, e se preocupa em estar com tudo sempre organizado para que não tenhamos nenhum problema quando ele morrer, porque, afinal, ele não estará ali para fazer tudo o que ele faz por nós e que nos deixou inclusive, tudo mal-acostumada, nós 3. Eu mal bato um prego na parede, porque ele sempre fez isso por mim e nunca me ensinou a fazê-lo porque sempre achou que não precisava, afinal, ele sempre o faria por mim, mesmo que eu morasse em Timbuktu. Minha mãe não troca uma lâmpada. Minha irmã não enrola uma fita isolante num fio desencapado.

Com isso, ele me manda email com o seguinte teor: Cláudia, na gaveta da escrivaninha, dentro de uma pasta amarela, tem os papéis do seguro, e do auxilio-funeral, e as instruções de como proceder. A primeira vez que recebi um troço desses, que foi por carta e ainda por cima com cópia da papelada pra eu saber do que se tratava, eu quase tive um treco. Liguei esbaforida para casa para saber o que estava acontecendo e ele calmamente me explicou que afinal de contas ele tinha de me avisar sobre isso quando estivesse vivo. Agora meio que já me acostumei.

De lá pra cá, ele me reporta os resultados dos exames que faz, pra eu saber que está tudo bem com ele. E com aquela pontinha de vaidade de contar pra todo mundo que se ele não fizer isso eu fico aqui doente de preocupação. Fico mesmo.

Outro dia, morreu um amigo dele dos tempos de Exército e ele foi ao enterro. Voltou pra casa, não disse nada. No dia seguinte, desceu da parte de cima do armário a antiga farda, a de gala, e mandou para a lavanderia. Dias depois, minha mãe encontra um envelopinho com fotos 3x4 dele, fardado - que beleza, uma farda de 20 anos atrás ainda servir não? Fosse eu... - guardado junto com a tal papelada do seguro. E a farda pendurada no armário, junto dos paletós e casacos, limpa e arrumadinha.

Aí ela entendeu que ele quer ser enterrado fardado, e que já deixou até as fotinhos prontas, para as lembrancinhas (!) do funeral. Atenção especial para o fato que ele não tem nenhuma doença degenerativa, ou qualquer outra que o esteja debilitando, e se seguir a tradição familiar, passa longe dos 90 no mesmo gás.

Tudo isso parece muito mórbido contando assim, mas acreditem que nada que meu pai faz tem um toque de morbidez, e sim de naturalidade e até diversão. Ele acha tudo isso muito normal e que a chance que ele tem de providenciar tudo é agora. Faz tudo isso como se tivesse ido até o supermercado comprar mamão.

Porque afinal de contas, ele é pai de meninas, a quem ele sempre protegeu e protege ainda, e não quer que a gente se preocupe com assuntos que, para ele, é ele quem tem de resolver.

Ou seja, todos.

Pai, hoje não é dia de nada, apenas acordei pensando em você e em tudo o que faz por nós todo o tempo, e no quanto sou feliz e abençoada por ter um pai como você. Beijinhos.

18 Comentários:

Blogger Unknown disse...

Engraçado, eu pai era assin também. Militar, pai de meninas, faz tudo da família. Pena que não deixaram ele ficar por aqui para continuar a fazer tudo pela gente... eita tristeza que não passa nunca...

11:31 AM  
Blogger Cláudia disse...

Então você sabe exatamente do que falo, né, Virginia? E a gente não fica mal-acostumadíssima?
beijo

1:23 PM  
Anonymous Anônimo disse...

Olha só, eu nem sabia dessa história das fotos!!! Vou pedir uma djá, autografada.
E a pastinha, amarela...ainda bem que não é roxa ou preta.
Bjs Rosana.

7:14 PM  
Blogger Cláudia disse...

Rosana, nem sei de que cor é a pasta, na verdade, chutei, mas a foto existe, pergunta pra mamãe.
beijo

7:26 PM  
Blogger D.Ramírez disse...

Ele é assim pq é ativo e concordo com ele que doente é quem esta na cama..parabens a ele.
Tbm sou pai de uma menina, imagine só..rs

Besos

8:15 AM  
Anonymous Anônimo disse...

Quando fiz a cirurgia para miopia, vejo papai meio sem graça num canto e daí ele solta: "eu é que devia ter providenciado isso antes pra você". Olha, e ainda tive que consolar, dizendo que antigamente a técnica era precária, que a de laser é muuuito melhor, só assim ele se conformou.
Bjs Rosana.

9:34 AM  
Blogger MH disse...

seu pai parece um homem incrível! Vcs tem muita sorte!
beijo

10:51 AM  
Blogger Renatinha disse...

Ai, Clau.
Precisa dizer que estou aos prantos agora com as lembranças do meu pai de meninas, e do quanto nossos pais são iguais em algumas coisas... O quanto a criação que tivemos com este carinho enorme fez e faz a diferença.
Por favor. Abrace muito ele por mim. É tudo o que eu faria hoje.
Muitas alegrias para vcs sempre
beijo
Re

12:35 PM  
Anonymous Anônimo disse...

Rsrsrs
Genteeeeeeeee, ele é o máximoooooooooooooooooo!!!!

amei tudo que escreveu...
bjusss

Nana

12:49 PM  
Anonymous Anônimo disse...

Nossa,
Q lindo!
Minha mãe teve um problema sério de saúde e veio c/ um papo desses (isso tem uns 10 anos, sendo q hj ela só tem 49!)) e ela já está ótima. Mas confesso q me assustei. Hj lendo seu post vejo q é mto amor, zelo e cuidado.
Bjs

2:42 PM  
Anonymous Anônimo disse...

Seu Djalma, pelo o que a Clau nos conta o senhor é realmente um pai maravilhoso, tudo o que uma menina (ou meninas) espera de um pai. Acho que todo o seu cuidado com os detalhes futuros é também um grande gesto de carinho e amor à todos os que gostam tanto do senhor.

Ah sim, eu também adoro um bom supermercado! :D

Beijos
Marcia

3:25 PM  
Blogger Zagaia disse...

Pais e filhas mulheres tem uma ligação tão interessante que só é compreendida por um filho que tem uma boa relacão com a mãe... que é o meu caso... Lindo post... Adorei saber mais um pouquinho assim da sua familia! Bjos

11:13 AM  
Blogger Unknown disse...

Claudia, que lindo, tive a impressão que estava lendo uma crônica sobre o meu pai - será que eles ensinam isso no exército? já perdi as contas de quantas vezes ele tenta me mostrar (pq eu me recuso a querer saber disso) onde ele guarda isso, onde está o seguro daquilo, e tb tem uma farda no armário para "aquele dia", que Deus permita, ainda se vai muuuuuuuuuuuito longe... já fiquei constrangida, quando adolescente, de vê-lo sempre na primeira fila de todas as muitas apresentações de ballet, jazz, sapateado, etc... e ele já fingiu não perceber isso... papai tb adora um supermercado, mas o forte dele é uma papelaria...rs... adorei o texto, e adorei mais ainda saber que vc tem o pai que merece, pq embora só agora eu tenha conhecido um pouco do seu pai, eu já sei a filha que ele tem faz tempo, e essa filha não merecia menos do que tem, mesmo... mais do que uma sorte, ter pais assim é mesmo um bênção, vc não acha????? bjo

12:20 PM  
Blogger Cláudia disse...

Pessoal, obrigada. E como todos podem ver, pelas respostas das meninas, pai de menina é tudo assim!
beijo

5:26 PM  
Blogger Nana disse...

Minha vó tinha que frequentar (sem trema) o mesmo grupo de auto ajuda do seu pai:
-Eu sou Liane.
-Bom dia, Liane (coro)!
-Estou há uma semana sem ir ao supermercado e sem jogar buraco!

5:56 AM  
Blogger Yara disse...

Que lindo Claudia. Levanta as mãozinhas pro céu, vc ganhou um presentão. :o)

10:24 AM  
Blogger Luciana disse...

COISA MAIS BONITA, AMIGA!
Gde beijo ao Sr. Djalma!

bjs,
Lu


PS.: nando precisa ler tudo isso! rs

10:41 PM  
Blogger Cláudia disse...

Imagina, Nana, os dois tinham era de combinar de um jogar buraco na casa do outro e trocar impressões sobre os supermercados: promoções, novidades etc.

Yara, eu sei, ele é mesmo muito especial.

Lu, afinal de contas, ele também é O PAI DAS MENINAS né?

beijo

6:59 PM  

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