Só pensando
Toda vez que eu volto do litoral do São Paulo e passo pela Serra do Mar, eu me lembro da minissérie A Muralha.
Mais precisamente das mocinhas que vinham de Portugal para se casar com os moradores da então Vila de Piratininga.
Eu olho aquela serra, aqueles morros todos, aquela mata fechada, enquanto subo uma estrada bem asfaltada dentro do meu carro com ar-condicionado, pensando que, há 450 anos, a coisa era muito, mas muito diferente. A mocinha vinha de navio de Portugal, sem a família, numa viagem que durava fácil três meses, com banho escasso, torcendo pra não adoecer, pro navio não afundar e não acontecer nada de mau com ela durante a viagem.
Chegava lá na praia, morta de cansaço, e começava a subir a serra, em lombo de jegue, guiada por índios, mata adentro, com toda a sua vida colocada em baús - inclusive o seu dote, porque, como se não bastasse, ela ainda tinha de trazer presentes para o noivo e sua família.
Mais sei lá quantas semanas de travessia. Tudo isso pra chegar num lugarejo poeirento, no meio do nada, pra se casar com um chucro fedido de dentes podres. Isso se tivesse a sorte de ainda ter o noivo à disposição, porque esse processo todo levava bem uns 4 ou 5 meses e nesse meio tempo o cara podia ter morrido de alguma doença, ou de ataque dos índios.
Avançando no tempo uns 300 e poucos anos e vamos para os anos 1950, onde temos a tia de uma amiga. Mocinha portuguesa dos Açores, estudante de colégio interno, encantou-se por um viajante e dele ficou grávida. Apanhava tanto do pai e dos irmãos que perdeu os bebês - gêmeos - aos seis meses de gestação.
A vergonha de ter uma filha solteira grávida foi tanta que o pai resolveu ir embora, com toda a família, para o Brasil. Chegando aqui, a filha pecadora enamorou-se de um mulato baiano. O pai permitiu o casamento até com um certo alívio: já que estava estragada mesmo e tinha arrumado um trouxa que a quisesse, ele até podia ser preto.
Mesmo minha bisavó materna não pôde se casar com meu bisavô porque ele era de família rica de plantadores de café e ela, uma moça pobre. Tiveram duas filhas juntos, mas nem assim a família permitiu a união. Ela casou-se com outro e teve outros filhos, ele casou-se com outra e teve outros filhos, mas o preconceito era tanto que os irmãos da minha avó por parte de pai só souberam da existência dela depois que o pai morreu.
A vida da mulherada antigamente não era nada moleza. E a gente aqui, se lamentando porque ele não ligou no horário combinado...
9 Comentários:
Tem razão, Clau!
Pelo menos a gente pode ver o quanto a mulher evoluiu na sociedade!
Beijo
(urb)Anna
Então.
Meu bisavô, mais tarde conhecido como "Antonio Mineiro", enamorou-se de uma bela rapariga chamada Guilhermina. Entretanto, minha trisavó (sua mãe) não permitiu que aquilo fosse a frente, pois, ainda que distantes, eles seriam meio que primos.
Então ele casou-se com minha bisavó, vindo a ter duas filhas. Infelizmente, com as crianças ainda pequenas, ela veio a falecer.
E eis que casou-se novamente. Dessa vez teve uma farta prole de dezoito filhos - mas apenas nove "que vingaram", como se dizia antigamente. Mais uma vez, já com seus sessenta e poucos anos, enviuvou.
E a Guilhermina? Continuou solteira. A vida toda. Esperando. Encontraram-se, casaram-se e viveram bem felizes até que desta vez foi ele quem partiu primeiro. Em meados de 1972.
Creio que talvez seja a lembrança mais antiga que eu tenha, pois, apesar de ter apenas uns três anos de idade, recordo-me de adorar ir até a casa do "bisa", quando ele me arrebatava do chão, colocava em seu colo e ficava me contando estórias em sua cadeira de balanço...
Já a "bisa", viúva, veio morar com a gente. Assim, tive a sorte de ter uma "vó" bem pertinho durante toda minha infância. Vestiu luto até o fim de seus dias, em meados da década de oitenta.
Com certeza, reclamamos de boca cheia, mas dúvido que elas sofriam na depilação...eheheehehe
Acho que antes os amores vinham com grande esforço... Esforço muitas vezes em vão. Pois a esposa, só servia para ter filhos. Estas mulheres jamais foram amadas de verdade.
Pelo menos agora somos amadas, amamos e não recebemos nunca a palavra certa e nem o telefonema na hora combinada... Uma coisa pela outra.... Troca justa?
beijos
re
Clau,
Dá licença?
Adauto,
que linda história... parece saida de um conto de fadas torto... Linda!!!!
Re
Cada um no seu quadrado. As moças de 1500 comiam o pão que o diabo amassou. Mas se somar o tempo que a gente fica parada no trânsito em SP, dá muito mais que os 3 meses da travessia de navio.
E se o moço namorasse a moça, fosse ele um chucro fedorento ou não, casava. A família fazzia casar. Não tinha essa de tomar leite a vida toda sem comprar a vaca!
Nunca foi fácil ser mulher. Nem em 1500 nem em 2008. Mas a gente encara, porque é mulher. Tivesse nascido homem, não dava conta do recado (pronto, vinguei agora).
Meninas, conclusão:a gente tá sempre metida em algum perrengue.
Adauto, adorei a história do seu bisavô. Aliás, historias de amor são comigo mesmo!
beijo
Tem também a possibilidade de a donzela ser bagulha e/ou megera, e o pobre do colono Carmo de la Vecchia não poder devolver o pacote. Porque pra despachar uma sujita de navio caro com a burra cheia de presentinhos, nesse angu tem caroço.
Bjs. Rosana.
Rosana
acha mesmo que tinha algum colono com essa estampa dando sopa por aqui?
Tarefa quase impossível... a coruja tinha de errar muito o toco!
beijo
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