Casamento
Casamento
(Adélia Prado)
Há mulheres que dizem:
Meu marido, se quiser pescar, pesque,
mas que limpe os peixes.
Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,
ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.
É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,
de vez em quando os cotovelos se esbarram,
ele fala coisas como "este foi difícil"
"prateou no ar dando rabanadas"
e faz o gesto com a mão.
O silêncio de quando nos vimos a primeira vez
atravessa a cozinha como um rio profundo.
Por fim, os peixes na travessa,
vamos dormir.
Coisas prateadas espocam:
somos noivo e noiva.
É somente assim que eu acredito em casamento: com união, com divisão de coisas boas e ruins, um apreciando o que o outro faz, achar graça nas coisas do cotidiano, ver poesia em ajudar a limpar o peixe na cozinha e saber que aquele momento não se repetirá.
Me causa arrepios quando escuto alguém dizer que não agüentaria dividir o banheiro com alguém. Que imagine só chegar pra tomar banho e encontrar o sabonete assim ou assado, a pasta de dentes apertada na metade, toalha molhada mal pendurada.
Eu já adoro essa intimidade toda de um banheiro compartilhado com alguém que se ama, guardadas as intimidades. Não vou fazer cocô e nem escovar os dentes de porta aberta, por exemplo. Lembro bem de como era bom quando meu marido enchia a banheira: ele sempre foi fanático por banhos de banheira e eu nunca tive muita paciência para isso. Então ele me pedia para sentar na tampa do vaso pra ficarmos juntos de alguma maneira. Intimidade.
Ou de quando a nossa filha era pequena, tínhamos um único carro, e nos mudamos para 20km longe do trabalho dele. Para que o carro ficasse comigo, eu o levava e o buscava todos os dias. Com a Bela junto. Á noite ela invariavelmente adormecia na volta pra casa. Mas às vezes acontecia dela adormecer na ida, ele demorar pra terminar alguma coisa de urgência, e ela despertar antes de chegarmos em casa, com toda a energia que uma criança de um ano é capaz de ter. Aí mudávamos os planos e íamos comer alguma coisinha juntos, jantar ou um sanduíche, os três. Para conversar, conversar, conversar... Proximidade.
Dividir o carro significava arrumar banco e espelhos retrovisores toda vez que se entrava nele. Era se policiar pra não deixar o outro sem gasolina, nem espalhar bagulhada. Dividir o carro era como dividir o banheiro, a cozinha, o quarto, a casa, a vida!
E se é impossível conviver com essas pequenas coisas que incomodam, como é que pode-se dividir os problemas grandes, aqueles para os quais se precisa de doses extras de tolerância, amor, carinho e vontade de que tudo dê certo?
(Adélia Prado)
Há mulheres que dizem:
Meu marido, se quiser pescar, pesque,
mas que limpe os peixes.
Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,
ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.
É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,
de vez em quando os cotovelos se esbarram,
ele fala coisas como "este foi difícil"
"prateou no ar dando rabanadas"
e faz o gesto com a mão.
O silêncio de quando nos vimos a primeira vez
atravessa a cozinha como um rio profundo.
Por fim, os peixes na travessa,
vamos dormir.
Coisas prateadas espocam:
somos noivo e noiva.
É somente assim que eu acredito em casamento: com união, com divisão de coisas boas e ruins, um apreciando o que o outro faz, achar graça nas coisas do cotidiano, ver poesia em ajudar a limpar o peixe na cozinha e saber que aquele momento não se repetirá.
Me causa arrepios quando escuto alguém dizer que não agüentaria dividir o banheiro com alguém. Que imagine só chegar pra tomar banho e encontrar o sabonete assim ou assado, a pasta de dentes apertada na metade, toalha molhada mal pendurada.
Eu já adoro essa intimidade toda de um banheiro compartilhado com alguém que se ama, guardadas as intimidades. Não vou fazer cocô e nem escovar os dentes de porta aberta, por exemplo. Lembro bem de como era bom quando meu marido enchia a banheira: ele sempre foi fanático por banhos de banheira e eu nunca tive muita paciência para isso. Então ele me pedia para sentar na tampa do vaso pra ficarmos juntos de alguma maneira. Intimidade.
Ou de quando a nossa filha era pequena, tínhamos um único carro, e nos mudamos para 20km longe do trabalho dele. Para que o carro ficasse comigo, eu o levava e o buscava todos os dias. Com a Bela junto. Á noite ela invariavelmente adormecia na volta pra casa. Mas às vezes acontecia dela adormecer na ida, ele demorar pra terminar alguma coisa de urgência, e ela despertar antes de chegarmos em casa, com toda a energia que uma criança de um ano é capaz de ter. Aí mudávamos os planos e íamos comer alguma coisinha juntos, jantar ou um sanduíche, os três. Para conversar, conversar, conversar... Proximidade.
Dividir o carro significava arrumar banco e espelhos retrovisores toda vez que se entrava nele. Era se policiar pra não deixar o outro sem gasolina, nem espalhar bagulhada. Dividir o carro era como dividir o banheiro, a cozinha, o quarto, a casa, a vida!
E se é impossível conviver com essas pequenas coisas que incomodam, como é que pode-se dividir os problemas grandes, aqueles para os quais se precisa de doses extras de tolerância, amor, carinho e vontade de que tudo dê certo?
2 Comentários:
Nana, é diferente, seus irmãos estão ali desde sempre e têm a mesma criação que vc, mesmos valores. Já um marido vem de uma familia diferente, com ideias e habitos diferentes. Não é igual não, nem de longe.
beijo
Clau,
E quando seu (ex) marido tem uma fixação compulsiva por banheiro e é capaz de passar o fim de semana inteiro trancado, caso alguma força maior não o detenha. É um bom motivo para desejar banheiros separados ou não? Diz que é, vai...
Beijos,
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