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terça-feira, outubro 24, 2006

A saga da pizza meio-a-meio

Como todos os meus 8 leitores sabem, morei um ano em Portugal, mais precisamente na avenida das Tulipas, n. 14, quarto direito - Miraflores, Algés (que é um bairro de Lisboa, próximo às embaixadas e à minha querida Torre de Belém).

Não, eu não morava num quartinho do lado direito do corredor de uma casa. Eu morava no quarto andar, num prédio com dois apartamentos por andar, e o meu apartamento ficava do lado direito. Quarto direito.

Isso foi em 1993/1994. Voltamos pro Brasil, eu, meu então marido e minha filha que na ocasião ia fazer 4 anos - e que era bilíngue: em casa falava com sotaque e expressões do Brasil; na rua, com sotaque e expressões de Portugal - dois dias depois do Brasil ser tetracampeão.

De lá pra cá, Portugal certamente mudou muito. Já estava crescendo e se modernizando, em todas as áreas, com o dinheiro vindo da União Européia. Mas quando eu morei lá, o país mantinha alguns hábitos provincianos, que no fim faziam o charme do lugar.

Pedir pizza em casa, por exemplo, não era moleza. Pra começar, ali em Algés, só havia dois serviços de pizza delivery. Para se ter uma idéia, a pizza não vinha naquela caixa térmica, o motoboy trazia na garupa da mota (assim mesmo, no feminino)na embalagem de papelão. Não preciso dizer a temperatura que a pizza chegava em casa no inverno de 2 graus.

A gente sempre pedia pizza na Pizza na Brasa (que eles falam piza na brasa, porque em português não existe o som de tza e eles não admitem estangeirismos) que era a melhorzinha. Eles tinham um cardápio com alguns sabores pré-prontos, exatamente como aqui no Brasil, e com a opção marguerita e outro ingrediente da sua escolha, listados em seguida (atum, bacon, escarola, mais queijo, aliche, calabresa etc). Todos os ingredientes tinham o mesmo preço: 150 escudos - nem euro era a moeda ainda!

Podia-se pedir uma pizza meio-a-meio, desde que fosse em um dos sabores pré-prontos sugeridos no cardápio. Alguns bem legais, por sinal, com umas combinações que não são usuais no Brasil. Os preços eram diferentes, mas a cobrança era justa: metade de cada valor, e não pelo mais caro, como era aqui.

O problema começava quando se queria pedir uma pizza meio-a-meio base marguerita com os ingredientes avulsos da lista. Atenção especial para o fato de que os preços não variavam. A conversa que se seguia era mais ou menos assim:

- Pizza na brasa
- oi, boa noite. Eu quero fazer um pedido por favor.
- pois faça, ó menina! (porque eles são assim mesmo, um jeitinho grosseiro de ser, depois você se acostuma e vê que não é nada contigo)
- eu quero uma pizza grande, marguerita, metade com atum, metade com bacon.
- não posso fazer.
- ué, por que não?
- só posso fazer colocando atum na pizza toda e bacon na pizza toda.
- mas eu só quero na metade. Não são todos o mesmo preço, então que diferença faz que ingrediente vai em que metade da pizza?
- não posso.
- moço, então faz assim: trace uma linha imaginária no meio da pizza. De um lado, o senhor coloca atum; do outro, bacon. Eu pago pelos dois ingredientes como se fosse na pizza toda, pronto.
- não posso, porque senão eu estou a lesar a menina.
- lesar?
- sim, porque vou cobrar pelos dois ingredientes na pizza toda e vou colocar só metade.
- então, cobre só metade de cada.
- não posso, pois cada ingrediente custa 150 escudos.
- moço, então faz assim olha: coloque atum só na metade da pizza e a outra metade o senhor coloca num saquinho e manda pra mim. Mesma coisa com o bacon. Assim o senhor não vai me lesar.
- não, menina, eu não posso, pá! Não tem sentido eu mandar parte do atum e parte do bacon num saquinho para a menina (não tinha mesmo, mas todo o resto por acaso tinha sentido???). Tem de ser na pizza inteira. Por que a menina não pede duas pizzas pequenas? Custam o mesmo preço de uma grande e aí eu coloco atum em uma e bacon na outra.
- isso, faça assim, pra mim está ótimo!
Mais uma observação: duas pizzas pequenas custavam o mesmo que uma grande, ou seja, nem era pra me arrancar mais dinheiro que ele não fazia meio-a-meio.

Assim, depois de toda essa elaboração, minutos depois chegava em minha casa duas deliciosas e geladinhas pizzas: uma de atum e uma de bacon!

13 Comentários:

Blogger Tati disse...

a literariedade dos portugueses é fenomenal, daí você ir pra lá e perguntar se o ônibus passa ali... Passa sim... Mas não pára......
Só rindo... Nós da estrutura lógica deles e eles da nossa provável malandrice.......
Inté

1:23 PM  
Anonymous Anônimo disse...

Péraê! Cumassim "oito"? Pelo menos nove comigo! ;)

Agora imagina se fosse uma pizza como eu costumo pedir num cantinho lá perto de casa: cada quarto de pizza de um sabor (chamada "quatro estações"), sendo que ainda existe a possibilidade de fazer a pizza com seis ingredientes à sua escolha. Se eu estivesse em Portugal e xarope do jeito que sou provavelmente eu ia acabar fazendo a pizza eu mesmo em casa...

2:21 PM  
Blogger Cláudia disse...

Tati
em cidades com muitos brasileiros, eles já seguem um pouco a nossa lógica então isso acontece com pouca frequencia.
Aguarde o episódio lenha para a lareira que postarei aqui e vc vai ver o que é ser literal.

Adauto, meu nono leitor, vc ia enlouquecer o pobre. Nem se arrisque, vai criar uma inimizade.

2:37 PM  
Blogger mc disse...

Ó menina,
quem está ficando lesada sou eu, ainda com vontade do bolo de laranja....

4:39 PM  
Blogger Cláudia disse...

é do Fran's, mc!!!

6:05 PM  
Blogger Zagaia disse...

Olha seu blog devia se chamar, "Lembranças da Terrinha"... ia ser um sucesso!! Menina!! muito boas essas histórias!!

11:03 PM  
Blogger Cláudia disse...

Xu, obrigada!
Preciso me lembrar de outras, é que faz muito tempo, mas vou me esforçar.
beijo

12:32 AM  
Anonymous Anônimo disse...

ja tinha ouvido historia parecida no programa do Jô...o Júnior da dupla Sandy e Júnior disse q pediu no hotel 1 pizza...mas como seus pais estavam hospedados na suíte ao lado da dele,ele fico conversando com os pais até a pizza chegar...na hora q o entregador chego ele ouviu bater na porta e saiu pra recebe...resumindo ele teve q entrar no quarto dele com a pizza...pq ele quis pagar la no quarto dos pais pq comeria la...mais o entregador disse:Tenho q entregar no quarto 1...não posso entregar no 2...foi pedido no 1...rsrsrs ele contando fico melhor de se entender...adorei essa historia sua tb...alias todas muito boas...eu sou o 10 leitor rsrsrs bjos

2:43 AM  
Blogger Cláudia disse...

Opa, mais um leitor assumido!
Rafa, é isso mesmo, posso até ver a cena se desenrolando no hotel.
beijo e obrigada pelos elogios e pela visita

9:40 AM  
Anonymous Anônimo disse...

Hihihihi...
Que figuras.
São muito literais mesmo. E soa ingenuidade.
Beijos,

11:30 AM  
Blogger MH disse...

um povo admirável. É só tentar pensar do jeito deles pra ver que faz mais sentido que qualquer outra interpretação! a gente é que é flexível ao extremo, né?

8:19 PM  
Blogger Cláudia disse...

É o que eu digo, mh: a lógica deles é apenas diferente da nossa. Bem mais literal. Depois que vc entende isso, tudo fica muito mais fácil e a comunicação flui.

1:53 PM  
Blogger Lala disse...

Geladinha??? A brasa não veio nesse dia???

11:34 AM  

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