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sábado, junho 09, 2012

Saudades de escrever

Não foi a vida toda que eu quis ser jornalista, mas eu fui jornalista desde muito tempo. Talvez não jornalista, mas escritora. Meu primeiro romance eu ainda tenho guardado, escrito à mão, começado aos 8 anos de idade e terminado aos 9. Era de época inclusive. Tudo bem que a mocinha em questão ia de navio do Rio de Janeiro para Barbacena, mas era uma obra de ficção, certo? Outros vieram depois deste. Eu morava em Niterói e o grande programa para mim era ir até o centro da cidade, eu e minha amiga Claudia Nogueira, eu com 11 anos, ela com 12, de ônibus, comprar caderno para escrever romance - éramos ambas romancistas, apesar dela ser mais melodramática que eu e suas heroínas com frequência morrerem "de dias contados". Ela ia até o prédio onde eu morava, nem subia, gritava lá do pátio: Baioquinho! Invariavelmente dizia para a minha mãe que ela não devia se preocupar, porque "tá comigo, tá com Deus". E lá íamos nós duas em nossa aventura literária, minha mãe provavelmente ficava em casa rezando o terço até a gente voltar.

Escolhíamos os cadernos pela capa, e muitas vezes a briga já começava na papelaria mesmo, porque uma não podia comprar caderno com a mesma capa da outra. Éramos amigas inseparáveis, mas como brigávamos! Não como brigávamos eu e Simonny, a Moca, quando tínhamos uns 7 anos de idade, quando nos pegávamos de beliscão, puxão de cabelo e tapa, e jurávamos nunca mais brincar uma com a outra, e o juramento durava até o dia seguinte pelo menos. Brigávamos porque a heroína ou o herói de uma tinha nome parecido com a heroína ou o herói da outra; brigávamos porque a minha heroína ia se casar na igreja de sei lá onde e ela tinha imaginado que a dela se casaria na mesmíssima igreja e eu tinha roubado a ideia da cabeça dela. Brigávamos porque éramos apaixonadas pelo Pedrinho do Sítio do Picapau Amarelo que passava na Globo, mesmo sem o menino nem suspeitar que a gente existia.

Às vezes voltávamos da papelaria, passávamos na minha casa para avisar minha mãe que íamos para a casa dela ficar escrevendo romance lá durante a tarde, e íamos as duas, brigadas uma com a outra, sem dirigir a palavra uma a outra, para escrever nossos romances em nossos cadernos novos que mal podíamos esperar para estrear. À medida que a tarde ia passando, uma ia lendo um trecho para a outra, uma ia dando palpite no que a outra escrevia, e assim fazíamos as pazes.

A definição do tamanho da história  - eu não gosto de estória com E, nunca uso, para mim a palavra é sempre com H - era dada pelo número de páginas do caderno. Certinhas, sem sobrar nem faltar. Então, um romance longo, de um caderno de 300 páginas, era quase sempre seguido por um mais curto, de 180, porque devo dizer que cansa escrever uma história comprida, e a mais curta servia para descansar a mente da trama elaborada anterior.

Mudei para Brasilia e continuei escrevendo meus romances, ainda nos cadernos. Escrevia durante uma aula chata, escrevia durante parte do recreio, escrevia no fim da tarde, quando desse inspiração. Dedicava personagens aos meus amigos, me inspirava neles, nos meus professores. Com 12 anos de idade, participei de um concurso do INL - Instituto Nacional do Livro, uma biblioteca em Brasília que a adolescentada toda frequentava - com uma história de crime e suspense, um assassinato que se passava em uma academia de ginástica. Não ganhei, mas um belo dia bateu lá em casa um homem, se apresentou para os meus pais como um dos juizes do concurso. Disse que tinha lido a história e não acreditado que uma menina de 12 anos tinha escrito, e que eu tinha sido desclassificada por este motivo. Mas que tinha ficado com aquilo na cabeça e por isso tinha ido até lá, para me conhecer. Mostrei a ele todos os meus cadernos, com minha letrinha de caligrafia, ele ficou encantado, disse que tinha cometido uma injustiça, mas não podia voltar atrás, e que esperava que eu não desanimasse, que eu tinha talento, que continuasse frequentando a biblioteca, parabenizou meus pais e foi embora. Fiquei me sentindo meio como o Brasil na Copa do Mundo da Argentina, sabe? Campeã Moral.

Segui escrevendo meus romances, aos quais poucos escolhidos podiam ter acesso, até mais ou menos os 14 ou 15 anos de idade, quando li O Tempo e o Vento. Achei a coisa mais linda, mais bacana, as descrições mais perfeitas e concluí que jamais seria capaz de escrever algo tão lindo, tão envolvente, tão emocionante. Acabou ali minha carreira de romancista. Nunca mais escrevi um único romance sequer. Perdi completamente a vontade. Guardei meus cadernos, e só voltei a ressuscitar um deles quando, já na Universidade de Brasília, o professor de Oficina de Texto quis ler um deles quando eu mencionei em aula toda essa história comprida que venho contando desde que este post começou.

Foi mais ou menos nesta época que comecei a escrever sobre as coisas que aconteciam na sala de aula. Os famosos S.O.S. Tudo começou quando um professor que tínhamos, grosso feito um tronco de Jacarandá, tratou mal uma menina da nossa sala que, por ser surda, tinha feito o oposto do que ele tinha mandado fazer, antes do início de uma prova - ele falou virado para o quadro-negro e ela nem percebeu que ele estava dando instruções -, causando comoção e indignação gerais. Depois deste primeiro, apelidado de SOS Alfafa, com distribuição acompanhada de um raminho de alfafa que a Maria Manoela tinha trazido da Hípica, porque o professor já recebeu a alcunha de cavalo batizado, seguiram-se outros, dos mais variados assuntos. A produção era intensa, eu escrevia, á mão, durante a aula, e o papel rodava de mão-em-mão. Um blog rudimentar.

Apesar de tudo isso, eu dizia que ia ser médica. Cardiologista. Mesmo tirando a média nas matérias de Exatas e gabaritando as provas de Humanas, mesmo passando as aulas olhando pela janela e imaginando histórias diversas, mesmo sendo a Repórter Esso da sala de aula, eu ia ser médica. Sabe Deus como, mas eu ia. Só não tentei prestar vestibular para Medicina porque meu sábio professor de Física, o Piqueroby, me chamou um dia e me perguntou porque eu queria estudar Medicina. Eu não sabia responder porque eu queria estudar Medicina. E então ele argumentou: você vai sofrer, não tem o perfil para estudar Medicina. Você não tem perfil para ficar horas e horas trancada em uma sala estudando. Detesta as matérias que precisa saber para ser uma boa médica. Nem chega perto das experiências do laboratório mas escreve todos os trabalhos que o grupo faz lá. Passa as aulas escrevendo mil coisas, que todos os seus colegas lêem. Tem um talento natural para escrever, devia estudar Jornalismo.

Um sábio, um verdadeiro professor, a quem devo sinceros agradecimentos por um conselho tão certeiro. Amei a faculdade de jornalismo desde o primeiro dia, mesmo quando mudei da UnB, que era sensacional, para a Fiam, aqui em SP, que era bem mais ou menos. A culpa nem era dos professores, mas dos alunos, que não queriam ter trabalho, e as aulas acabavam tendo de ser niveladas por baixo, já que ninguém lia a literatura sugerida, ninguém via os filmes que eram recomendados. Dava até um desânimo.

A vida se encaminhou de maneira diferente, e pouco ou nada exerci do jornalismo. Cada vez que leio uma matéria bacana em uma revista, cada vez que vejo um programa bacana na TV, eu sinto uma saudadezinha dentro de mim, saudade de algo que não aconteceu direito, ainda que por opção minha.

Fico pensando se algum dia vou de novo até uma papelaria escolher um caderno pela capa, deitar na minha cama, e começar a dar vida às personagens. Se algum dia vou escrever de novo uma matéria para alguma revista ou site, se algum dia de novo vou entrevistar alguém, se algum dia de novo vou escrever uma crônica ou uma resenha.

Enquanto isso não acontece, fico aqui pelo blog, o canto onde minha alma de jornalista e escritora ainda teima em se manifestar.