No zoológico de Brasília, há coisa de 30 anos, um menino de 13 anos escalou o alambrado e caiu no fosso das ariranhas. Os bichos - eram seis - viram no menino uma ameaça aos filhotes e começaram a atacá-lo. Um sargento do Exército pulou para dentro do fosso, tirou o menino de lá, e foi tão machucado pelas ariranhas até ser resgatado que morreu de septicemia três dias depois, no Hospital das Forças Armadas, com mais de 100 mordidas espalhadas pelo corpo.
Em homenagem a ele, o zoológio de Brasília tem seu nome: Silvio Delmar Hollenbach.
Há algum tempo atrás, entrevistaram o filho deste sargento, e ele disse que a maior mágoa dele e da mãe era que nunca a família do menino salvo pelo seu pai os procurou para dizer obrigado. E o já rapaz dizia:
eles acharam que a gente ia pedir alguma coisa pra eles? meu pai morreu pra salvar o filho deles e eles nem ligaram.Tem resposta pra isso? Pode haver consolo para a dor da ingratidão? Pode-se até dizer que a família do garoto salvo estivesse constrangida com o ocorrido e sem saber o que fazer, mas nenhum constrangimento, ou qualquer tipo de sentimento, podia ser maior que o fato de que aquele garoto tinha perdido o pai.
Nem sei porque me lembrei dessa história hoje. Talvez porque o mundo ande tão individualista, com tanta gente tão egocentrada e sem tempo de olhar para outro local a não ser o próprio umbigo, que lembrar disso faz com que eu não me esqueça de que nunca devemos deixar de ter consideração ou mesmo pena pelos outros.
Aliás, o sentimento pena anda tão deturpado, e todo mundo quer tanto ser fodão, que não se pode mais sentir pena de alguém, como se isso fosse um crime. E como se receber a pena e a compaixão de outrem fosse uma ofensa. Pena sempre foi um sentimento ligado a outros sentimentos nobres. É a pena que muitas vezes nos faz estender a mão para alguém, e este gesto de compaixão, seja ele simbólico ou concreto, pode mudar a vida, tanto a de quem sente pena quanto de quem a recebe. Tenho certeza de que minhas amigas próximas sentiram muita pena de mim, por tanto sofrimento quando me separei, e por conta disso me apoiaram, não me deixaram sozinha e se desdobraram para arrancar de mim um sorriso que fosse. Não tenho dúvidas de que a pena delas me salvou.
Meus pais morrem de pena de uma senhora que passou a vida toda fazendo faxina na casa de conhecidos deles, sem ter tido carteira assinada. Para ela, ela jamais teria direito à aposentadoria. Graças a essa pena sentida, meu pai foi atrás, se informou, levantou a documentação necessária, pagou alguma taxa que precisasse ser paga, e no fim do ano, quando ela completar 65 anos, vai se aposentar e ter uma pensãozinha que a permitirá ao menos não morrer de fome na velhice.
Qualquer sentimento que te leva a olhar para o lado e te faz empreender tempo e energia com outra pessoa, sem nenhum ganho com isso a não ser o fato de saber que ajudou alguém, não pode ser menosprezado.
No dia em que as pessoas pararem de ter pena uma das outras, aí sim, neste dia, a humanidade não terá mais salvação.