Em frente ao meu prédio, do outro lado da minha rua, tem um prédio que eu namoro desde que me mudei para cá (olha que já faz quase oito anos e o namoro continua firme e forte!).
Não sei o que mais me atrai nele: se a coluna de vidros azuis posicionada de forma tal que, em determinado momento do dia, o sol incide sobre ela e projeta uma sombra azul no chão; se a arquitetura em si; se o fato da sala ser toda envidraçada, com várias portas, dando idéia de luminosidade; ou se é o varandão sinuoso que circunda esta mesma sala.
Pois neste varandão sinuoso, mais precisamente no varandão sinuoso do quarto andar, mora meu vizinho solitário.
Foi minha mãe, que nem mora em São Paulo e só vem de passagem, quem primeiro notou, há alguns anos. Todas as noites, este vizinho vai até a varanda, mal iluminada pela meia luz que vem da sala, e talvez apenas uma lâmpada na varanda, com uma taça de vinho e um cigarro nas mãos. E ele fica pra lá e pra cá, absorto nele mesmo, às vezes gesticula como se consigo falasse, tomando calmamente seu vinho.
Passei então a notar que este homem repetia este ritual todas as noites. Sozinho. Apenas uma única vez vi movimento dentro do apartamento, e acredito que eram visitas; essas, também raras. Noite após noite.
Minhas dúvidas sobre se ele observaria ao redor, os outros prédios, a rua, as demais varandas, ou não, dissiparam-se quando meu prédio foi vítima de uma tentativa mambembe (felizmente) de assalto. Ele viu quando os homens pularam a divisão da área de lazer para a portaria e chamou a polícia.
E foi aí também que eu soube que o vizinho solitário e agora já misterioso é argentino e tem uma filha que não mora ali. Mais nada sei, a não ser que já deve ter pelo menos uns 50 anos, porque daqui da minha varanda dá para ver um monte de coisas, mas como ele fica à meia-luz, não consigo ver as feições (tenho de comprar um binóculo).
Uma bela noite, há quinze ou vinte dias, em petit comitê com mais 3 amigas na minha casa, mostrei o vizinho do varandão sinuoso. Estava ele andando para lá e para cá, tomando seu vinho, fumando ocasionalmente (porque ele não é do tipo chaminé, nem enche a cara, é uma única taça e se duvidar, um único cigarro que rendem horas), e nós quatro de luzes da minha sala apagadas, grudadas no canto do enorme janelão de vidro, trocando impressões sobre o que motivaria aquele homem a um ritual aparentemente tão tristonho.
Quatro mulheres juntas e as idéias começam a fervilhar. E, claro, todas elas parecem ótimas, brilhantes e coerentes, em especial depois de duas garrafas de vinho tinto (o vizinho podia não encher a cara, já nós...).
Resolvemos então que, na próxima pizzada, convidaríamos meu andarilho vizinho do prédio em frente. Faríamos um bilhetinho (
querido vizinho, por que em vez de ficar aí sozinho, você não pega o seu vinho, atravessa a rua, e vem comer uma pizza com a gente aqui no sexto andar???), alguém iria entregar - já tínhamos inclusive escolhido quem iria - e pronto!
Chega então o dia da próxima pizzada, que foi ontem. Último capítulo da novela das oito, cidade tumultuada por conta do temporal que tinha caído, e nós aboletados na sala, esperando chegar todo mundo para pedir a pizza.
Já o vizinho... sumiu! Sim, ele não apareceu na varanda!!! Há anos o homem faz isso toda noite e bem naquela, na noite escolhida... necas de vizinho. Necas de meia-luz na sala, nada. Até pensei que ele devia ser noveleiro e estava vendo o último capítulo, mas se assim fosse, ele não ficaria na varanda todas as noites, mesmo no horário da novela.
Oh!, frustração! Todo um plano a duras penas arquitetado caíra por terra!
Fui dormir me lembrando dos planos infalíveis do Cebolinha, que sempre davam errado no final. Mas como o Cebolinha, não vamos desistir! Na próxima, a gente convida!