Já contei aqui que quando escuto Just My Imagination, do Lillo Thomas, eu me vejo na Estrada de Jacarepaguá, num belíssimo fim de tarde de verão daqueles que o Rio de Janeiro é especialista em nos proporcionar, em alguma das minhas férias de adolescência, nas quais a grande preocupação da vida era se ia chover ou fazer sol no dia seguinte, que a maior questão a ser decidida era qual biquini usar na praia, caso fizesse sol, e que problemão pra valer era se o ventilador não funcionasse na hora de dormir.
Não contei que até hoje me sinto mal ao passar em frente ao flat para onde meu ex-marido foi na ocasião da nossa separação, pela mera lembrança do sofrimento da época. E não sei se mencionei que quando escuto a música disco Dance a little bit closer, cantada por uma perua loura ensandecida chamada Charo, na mesma hora eu me lembro que minha mãe dizia que ela adorava esta música. Acho que nem mesmo ela se lembra de que a música existe, mas eu me lembro até do vestido de lurex que a precursora da Pamela Andrews usava.
É a memória afetiva, poderosíssima!
Como o Destino rege nossas vidas mesmo que a gente faça uma força danada para lutar contra ele algumas vezes - já contei aqui a piadinha da morte? não? conto no final do post para não matar os curiosos de ansiedade - eis que recentemente minha memória afetiva tem aflorado e me transportado para a primeira e mais querida quadra de Brasília onde morei, a 103 Norte.
Lá eu tinha uma amizade estreitissima com um menino que era a sensação da quadra, de tão bonito. Aliás, eles eram em 4 irmãos, carinhosamente apelidados de Família Maravilha e por aí vocês podem imaginar o frisson (ai, tô velha!) que eles causavam na mulherada (todas na faixa de 14 a 19 anos, eu me inseria na dos 14, a pirralhada). Já mencionei aqui também que um deles, o terceiro na linha de sucessão, era maratonista, todo atleta, estudava no colégio militar e era um espetáculo à parte vê-lo chegar do colégio com aquela farda marcando o bumbum e as coxas atléticas. Uma amiga minha dava o braço direito por um sorriso dele.
O mais velho de todos era tão mais velho que a gente, assim logo uns 7 ou 8 anos a mais que eu, praticamente um senhor, que não consigo me lembrar exatamente das feições dele. Porém, eu suspirava e chorava mesmo era pelo segundo na linha de sucessão. Alto, charmoso, misterioso, sério, sorriso lindo, uns 6 anos mais velho que eu, acho, totalmente Jesus Me Chicoteia!. Já estava na faculdade, já dirigia, já era um
homem, e eu apenas uma menina.
Aí sabe como é paixão antiga, né? Sempre mexe com a gente, é tão dificil esquecer, basta um encontro por acaso e pronto, começa tudo outra vez, já dizia o grande filósofo Tim Maia. Mesmo as platônicas, porque é claro que ele nem sonhava que eu sentia tudo isso, e só faltava mesmo dar uns tapinhas na minha cabeça quando me encontrava conversando com o irmão caçula. Eu me sentia tão pirralha, tão insignificante, tão murcha, e ao mesmo tempo vê-lo era uma alegria tão grande vê-lo que eu estava quase igual ao meu cachorro, que bastava o carro do meu pai entrar na quadra que ele já sabia que era ele, e eu estava já quase adivinhando que era ele quem chegava pelo barulho do Chevette que ele tinha - e quem não tem noção do que é um Chevette ou nunca viu um novo, ao vivo, faz favor de parar de ler este post e ir brincar com a sua turma!
O Destino começou a entrar nessa história muitos anos depois, mais precisamente há oito anos, quando uma amiga precisava entrevistar um cara forte da IBM. Morando ela fora do país, e nós ambas jornalistas, ela me pediu se eu poderia ajudá-la e fazer por ela a parte da entrevista que ela não conseguisse fazer online. Concordei. Ela me mandou os dados do entrevistado e a foto dele.
Meu coração disparou. O moço que eu tinha de entrevistar era justamente ELE, o meu JMC! da adolescência. Que eu não via, nem tinha noticias, nem nada disso, há uns 15 anos fácil. A partir daí fiquei sabendo que ele sempre morou quase no mesmo bairro que eu, que por muito pouco nossos filhos não estudaram no mesmo colégio, que provavelmente frequentamos o mesmo shopping só que nunca, nunca nos esbarramos.
A entrevista acabou não acontecendo, a vida mudou de novo, e eu passei a não saber mais dele e a coisa ficou de novo no fundo das minhas lembranças. Não sei dizer como, nem porquê, acho que caiu no meu colo a informação, como acontece com tudo o que o Destino quer que saibamos sabe-se lá o motivo, que ele estava em uma outra empresa, no mesmo prédio em que uma grande amiga trabalha.
E agora, eu, que em anos nunca encontrei o moço, um belo dia vou almoçar com esta minha amiga no local onde fica a empresa onde ela trabalha - um complexo de escritórios, hotel, lojas e restaurantes - e quem eu vejo nos corredores??? De longe?
Ele.
Me senti com 14 anos de idade, de shortinho jeans, na quadra onde eu morava, nutrindo uma paixão platônica por alguém que nem notava minha existência. Eu estava almoçando, ele apenas passando, provavelmente indo almoçar em algum outro restaurante do local. Não comi mais, perdi a fome, e fiquei ali, colada na minha cadeira, sem saber o que fazer, os olhos brilhantes, o rosto ardendo, o coração a mil.
Depois disso, outras vezes fui almoçar com esta amiga e outras vezes o vi. Não tive coragem de cumprimentar, porque temo que ele não se lembre de mim. Ou temo que ele se lembre e diga
ah! é aquela pirralha que me idolatrava. Na verdade, temo minha própria reação, temo gaguejar, temo tremer os lábios quando falar com ele, temo não conseguir disfarçar a minha euforia e parecer uma tonta idiota saltitante.
Ou talvez eu tema apenas descobrir que eu cresci, que ele nem é isso tudo que eu sempre imaginei, e que vá embora uma das lembranças mais doces e inocentes que eu tenho comigo.